sexta-feira, 26 de julho de 2024

Breve história do Joson-o


 

O Joson-o, como é chamado o idioma da República Popular Democrática da Coreia tem uma longa história que está diretamente relacionada com a história da nação coreana.

Até 1446, a Coreia utilizava os caracteres chineses na escrita, embora a fala fosse diferente da pronúncia chinesa. Notando a dificuldade das pessoas em aprender os caracteres chineses, que resultava em um grande número de analfabetos, além da necessidade de refletir na escrita o modo de fala coreano, o rei Sejong começou, já em 1443, a formular o Hunminjongum (que significa "escritura correta para ensinar o povo") junto com destacados linguistas. Após resistência por parte dos estudiosos da época, o sistema foi finalmente promulgado em 1446.

O Hunminjongum consiste em uma escrita que utiliza caracteres chineses (hanja; 한자) e letras coreanas. A sua forma de escrita era da direita para a esquerda e de cima para baixo. A criação do Hunminjongum foi um marco na história da língua coreana e é a raiz tanto do Joson-o (조선어) quanto do Hanguk-o (한국어).

Ao longo do tempo, houveram mudanças e revisões na ortografia e na escrita, tornando o coreano mais parecido com o que conhecemos. Vale ressaltar os documentos apresentados pela "Sociedade de Língua Coreana" durante o período do domínio colonial japonês, o "Plano de Unificação da Ortografia Coreana" (1933) e a "Coleção de palavras coreanas padrão" (1936), que nortearam inicialmente o norte e o sul da Coreia.

Porém, no norte foi adotada a política de eliminação gradual dos caracteres chineses em conjunto com a de alfabetização, o que culminou com a promulgação da "Regra Ortográfica Coreana" (조선어 철자법) que passou a servir como guia diretriz no lugar dos antigos documentos da Sociedade de Língua Coreana. Com isso, as letras coreanas eram predominantes, com hanja sendo usado apesas para números. A ordem de escrita da direita para a esqueda e de cima pra baixo continuou.


Na década de 1960 ocorreram mudanças mais profundas na língua coreana, com a substituição de letras ou palavras de origem estrangeira (inclusive chinesa) para coreanas. A política de pureza linguística foi levada a cabo a fim de preservar o caráter autóctone da nação coreana ao mesmo tempo que adaptá-la à nova época. Com isso, os caracteres chineses foram completamente eliminados, aparecendo apenas em publicações específicas sobre linguagem, e a escrita passou a ser da esquerda para a direita e de cima pra baixo. O "Código Normativo da Língua Coreana" (조선말규범집), promulgado em junho de 1966, passou a ser a nova diretriz linguística. 

Nesse período revolucionário, surgiu a "Lingua Culta" (문화어), também conhecida como "Lingua Culta de Pyongyang" (평양문화어), que baseia-se no "Dialeto de Pyongyang" (ou Lingua de Pyongyang; 평양말), que passou a ser a língua padrão da RPDC.

A Lingua Culta segue sendo até hoje o padrão no Norte, embora algumas revisões tenham ocorrido ao longo do tempo, como o novo código de normas de 1987.

O estrangeirismo não foi completamente eliminado do vocabulário nortenho, até porque nunca foi a intenção dessa política fazer uma limpeza completa, mas sim dar destaque às palavras coreanas puras. Assim, diferente do Sul, hoje em dia o Norte tem um vocabulário muito mais "puro", com poucos estrangeirismos e com uso exclusivo de letras coreanas na escrita.

O governo e o partido norte-coreanos tomam medidas ativas para preservar a língua cultural e evitar a infiltração de estrangeirismos, inclusive de palavras do Sul. Em 2023, foi adotada a "Lei de Proteção da Língua Culta de Pyongyang" com o objetivo de proteger a pureza da língua norte-coreana das "más" influências do exterior.

quinta-feira, 25 de julho de 2024

Joson x Hanguk


Frequentemente ouço o seguinte questionamento: existe diferença entre o coreano falado no norte e o coreano falado no sul?

De forma geral, costumo responder que sim. Mas não é uma resposta precisa. Estruturalmente, são praticamente idênticos, mas há suas diferenças, principalmente nas palavras. Inclusive o nome do país, Coreia.

A República Popular Democrática da Coreia define "Joson" (조선) como seu nome, enquanto a República da Coreia adota "Hanguk". Mas por que isso acontece? Neste artigo, tentarei responder a essa questão.

Primeiramente, precisamos falar sobre a palavra "Coreia", que traduz tanto "Joson" quanto "Hanguk".

Coreia vem de "Corea", como o país que existia na atual Península Coreana era chamado no exterior. O nome "Corea" vem de Coryo, uma antiga dinastia feudal (918-1392) que existiu naquele lugar.

Em espanhol, "Corea" segue sendo o nome para Coreia, enquanto no inglês a palavra passou a ser escrita com "K", ficando "Korea". Segundo mostram dados históricos, a mudança ocorreu durante o domínio militar colonial do Japão sobre o país, quando o governo japonês passou a usar a palavra com "K" em documentos oficiais, o que acabou sendo aceito na lingua inglesa. O motivo disso? Na ordem alfabética (do alfabeto latino), nenhuma colônia poderia vir antes do Japão. Foi por isso que os japoneses, já no início de sua ocupação, fizeram essa mudança que ainda persiste na "tradução" do nome para a língua inglesa até os dias atuais. Nesse contexto, Coryo também é grafado como "Koryo".

Dito isso, vamos à questão principal.

"Joson" é a palavra mais antiga utilizada pelo povo coreano para referir-se ao seu país. Remonta à época de Cojoson (Coreia Antiga), e deu nome a uma dinastia, a dinastia Joson (1392–1897), que existiu por mais 500 anos, sendo a última das dinastias coreanas.

Por outro lado, "Hanguk" surgiu no período histórico da dinastia de Coryo, como uma alusão à "Samhan" (Três Reinos. Coguryo, Paekje e Silla), mas só passou a ser utilizada no período final da dinastia feudal, ou na mudança para "Império Coreano" (1897), em coreano: Daehan Jeguk (대한제국). Esse curto período entre o "fim" da dinastia Joson e o início do domínio colonial japonês (1905) é mais ressaltado pela história sul-coreana, enquanto os norte-coreanos não fazem questão de distinguí-lo formalmente já que foi um período curto onde as marcas da dinastia estiveram bem presentes em meio às tentativas de modernização e abertura. O motivo dos sul-coreanos darem mais destaque a esse período está relacionado também com seu nome e inspiração, sem sombra de dúvidas.

Durante o período do domínio colonial japonês, ambas palavras coexistiram. Existiam tanto organizações e documentos com "Joson" quanto com "Hanguk". Em relação às organizações, desde já havia um claro posicionamento ideológico no uso de um ou de outro.

Por exemplo, a primeira organização antijaponesa, a Associação Nacional Coreana, voltada para a luta armada, era "Joson Gukmin Hoe" (조선국민회), enquanto a organização que serviu de raiz da fundação da "República da Coreia", o "Governo Provisório da República da Coreia"(1919-1945), composto por conciliadores, pacifistas, lacaios e até alguns traidores da nação (por mais estranho que isso possa parecer), era "Daehan minguk imsi jongbu" (대한민국 임시정부). A intenção inicial, que tomou como base o antigo império, era apresentar com o nome "Hanguk" algo novo, separado do "Joson" que representava o passado. "Hanguk" significa "país de Han".

Por outro lado, a intenção de manter "Joson" como nome do país por parte dos norte-coreanos está profundamente relacionada com a valorização da longa história, cultura e tradição do país, já que a palavra vem sendo utilizada há milênios. Joson significa, de acordo com o hanja (caracteres chineses; 朝鮮) "Manhã calma". É por isso que a Coreia (as duas) é conhecida como "País das manhãs calmas".

Hoje em dia, os nomes diferentes para "Coreia" são uma distinção clara de um povo que, depois de muito tempo separado, indentifica-se de forma completamente diferente. Na Coreia do Sul, "Joson" só é utilizado para referir-se à dinastia, enquanto "Coreia do Norte" é chamado de Bukhan (북한), nome esse que é ofensivo aos ouvidos dos norte-coreanos que só aceitam "Joson" ou "Buk Joson" (북조선; Norte da Coreia). Até pouco tempo, antes na mudança da política sobre a reunificação pelo norte, a Coreia do Sul era chamada de "Nam Joson" (남조선), ou seja, "Joson do Sul", mas agora é chamada de "Gwere Daehan Minguk" (괴뢰대한민국) "República da Coreia títere" ou a abreviação "Namgwe" (남괴) "sul títere", que são ofensivos aos sul-coreanos. É possível perceber sem muito esforço que historicamente os nomes que o norte e o sul se referem (ou referiram, no caso do norte) estão relacionados com a noção de pertencimento da outra parte ao seu território. Ou seja, "o pedaço do norte de Hanguk" e "o pedaço do sul de Joson".

No chinês, "Joson" é "Cháoxiǎn" (朝鮮) e "Hanguk" é "Hánguó"(韓國); em japonês, "Joson" é "Chosen" (朝鮮) e "Hanguk" é "Kankoku" (韓国).